terça-feira, 16 de abril de 2013

Judas Iscariotes - Leonid Andreiev

Inspirado (ou sensibilizado) pela época pascalina, resolvi reler um dos meus contos prediletos: Judas Iscariotes, do russo Leonid Andreiev (1871-1919).

Andreiev morreu bastante jovem, como muitos outros gênios. Mas viveu o suficiente para presenciar fatos marcantes de seus país e da Europa. Detentor de uma sensibilidade extrema, teve dificuldades de se ajustar à vida e aos acontecimentos políticos de seu país, inclusive sofrendo perseguições. Entre altos e baixos, estes desajustes provocaram até uma tentativa de suicídio. Escreveu sobre diversas temáticas, como a guerra, a política, temáticas bíblicas e universos psicológicos. Dele são também alguns outros contos excepcionais, como Os sete enforcados (através do qual eu o conheci) e Lázaro, também em torno do tema bíblico.

Este conto baseado em Judas Iscariotes é algo realmente sublime. Traz uma visão sobre a personalidade do apóstolo, seu relacionamento com os outros apóstolos e, principalmente, com o Mestre. O diálogo derradeiro entre Judas e Jesus, que antecede a traição, é uma das passagens literárias mais sublimes que eu já li. Não preciso dizer que a reli muitas, muitas vezes. Ei-lo:

Faltavam, apenas, algumas horas, que corriam céleres e implacáveis.
A calma descia sobre a terra; longas sombras estendiam-se pelo chão, anunciando a noite iminente, na qual devia desenrolar-se a grande tragédia.
De repente, ouviu-se uma voz triste e rude:
- Sabes aonde vou, Senhor? Vou entregar-Te nas mãos de Teus inimigos.
Um silêncio profundo envolveu a paz do anoitecer e o mistério das sombras fixas como lágrimas negras.
- Não respondes, Senhor? Ordenas que vá?
Como resposta, fez-se um silêncio ainda mais profundo.
- Permite que eu fique! Acaso não podes? Ou não Te atreves? Ou é que não queres?
E o silêncio continuou, um silêncio vasto e profundo como o olhar da eternidade.
- E, sem dúvida, sabes que Te amo. Tu sabes tudo. Por que olhas Judas desse modo? Grande é o mistério de teus olhos; mas, o meu é menos profundo? Dize-me para que fique. Por que silencias sempre, Senhor? Procurei-Te na angústia e na dor. Procurei-Te e achei-Te. Salva-me! Livra-me de mim mesmo! Tira-me este encargo, mais pesado do que uma montanha. Não ouves como ruge o peito de Judas Iscariotes sob esse peso?
E um derradeiro silêncio foi feito, imenso, como o último olhar da eternidade.
- Vou entregar-Te.
A paz do anoitecer não se turvou com essa mancha, o vento não gemeu entre a folhagem, as fontes não soluçaram, nem a terra fria gemeu, tão débil era o rumor daqueles passos que se distanciavam. Desvaneceram-se e tudo silenciou. E o crepúsculo pareceu sumir-se em profundo sonho, tragado pelas sombras. Nisto, a terra suspirou com o rumor desolado das folhas agitadas; suspirou mais uma vez e imobilizou-se à espera da noite.*

A segunda parte do texto, que trata dos acontecimentos após a prisão do Mestre, além de magnífica, lança outros olhares sobre a narrativa bíblica e nos convida a reflexões em muitos sentidos, alguns deles fora dos paradigmas. Um excelente conto. Imperdível.


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*Extraído de: Leonid Andreiev. Judas Iscariotes. Clube do Livro. São Paulo. 1984.

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