De alguma forma, este conto O Jovem Rei, de Oscar Wilde, nos convida a esta reflexão, cujos desdobramentos não são nada simples: como viver com a consciência minimamente tranquila num mundo de tantas desigualdades? "Deverá a Alegria usar aquilo que a Dor formou?", nos pergunta o escritor, que também nos sugere uma resposta:
E depois que o bispo os ouviu [os sonhos], franziu o cenho e disse:
- Meu filho, sou um velho, no inverno de meus dias e sei que se fazem muitas coisas más no vasto mundo. Os bandidos ferozes baixam das montanhas e levam os meninos para vendê-los aos mouros. Os leões ficam de tocaia às caravanas e saltam sobre os camelos. O javali arranca os trigais no vale e as raposas roem as vinhas da colina. Os piratas devastam a costa e queimam os barcos dos pescadores e tomam-lhes as redes. Nas salinas vivem os leprosos; têm choças de caniço trançado e ninguém pode aproximar-se deles. Os mendigos vagam pelas cidades e compartilham sua comida com os cães. Podeis impedir tais coisas? Acolhereis o leproso como companheiro de cama e sentareis o mendigo à vossa mesa? Fará o leão o que o mandardes e obedecerá o javali às vossas ordens? Não é mais sábio do que vós Aquele que criou a miséria? Por isso, não posso louvar o que fizestes, mas ordeno-vos que volteis ao palácio, que torneis vosso rosto alegre, que vistais o traje que convém a um rei, e com a coroa de ouro vos coroarei e colocarei em vossa mão o cetro de pérola. Quanto a vossos sonhos, não penseis mais neles. O peso deste mundo é demasiado grande para que possa suportá-lo um homem e a dor do mundo é também demasiado pesada para que possa suportá-la um coração.*
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*Extraído de: Oscar Wilde, Obra Completa, volume único. Editora Nova Aguilar. 1980.